• Correio Braziliense
     ESQUINA DE BRASÍLIA 
    18 de março de 1969

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    M Gato Preto, 1969

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      Esquina de Brasília
      18 de março 1969
      Correio Braziliense

      Ivonne Jean

      São três ou quatro os “grandes” da capoeira na Bahia de hoje. E agora que Mestre Pastinha, quem até o ano passado dirigia, ainda a Academia da Ladeira do Pelourinho e, com seus discípulos, tocava o berimbau, pandeiro, réco-réco, agogô e chocalho, cantava e até jogava, foi aposentado pelos seus oitenta anos e a cegueira, o “Papa” dos capoeiristas é Mestre Gato.

      E Mestre Gato está em Brasília com oito discípulos. Foram convidados pela Federação Atlética da UnB e o Centro Folclórico de Sobradinho, para os quais já apresentaram capoeira, pandeiro e maculelê. (Êste maculelê que poucos sabem praticar, êste maculelê executado com pesados paus que nas mãos dos capoeiristas parecem leves florestas aristocráticos, este maculelê que é uma estranha e palpitante luta frenética e ritmadíssima).

      Chamamos a atenção sôbre a presença entre nós dos capoeiristas baianos. Queríamos que muitos tivessem a alegria de assistir ao jogo-luta, jogo-dança, tão belo e tão mais brasileiro que o judô, entretanto muito mais divulgado. Queríamos que muitos assistissem ao golpe “meia-lua” com seu movimento giratório da perna enquanto o golpe é desferido; vissem como se planta bananeira para atacar com os pés, de cima para baixo, numa velocidade incrível; ou a maliciosa cabeçada sôbre o tórax; e o “rabo de arraia”, com a perna chicoteando a cabeça do adversário, e a “chapa de frente” pela qual o capoeirista, de braços cruzados derruba o outro ao suspendê-lo com a perna; e a “chapa de costas” com a rasteira assustadora; e o “jogo de dentro” com os pés e mãos agindo sem que o corpo toque no chão.

      O famoso Mestre Gato, que ensina sua arte na Escola de Dança da Universidade da Bahia, esteve, em 1966, em Dakar, com seus alunos [na verdade com M Camafeu de Oxóssi, M Pastinha e 3 alunos do último – velhosmestres.com]. Lá atuaram no Festival de Arte Negra e é bom lembrar que graças a êles o Brasil foi grande vencedor do Festival Internacional.

      A alegria dos capoeiristas impressiona tanto quanto sua agilidade. É bem verdade que, ao serem preparados para a defesa e ataque também desenvolvem exercícios físicos e mentais que os ajudam a se dominar, a conseguir este equilíbrio físico necessário ao jôgo. Como me dizia um célebre capoeirista “a capoeira exige lealdade, obediência absoluta às regras do jôgo e algum misticismo”, acrescentando “são alegres porque o ódio sumiu no preparo da luta para defender a própria integridade, cuidadosamente, com resistência, agilidade e elegância”.

      E esta luta que se trava com as mãos e cabeça, e, principalmente, pés, e esta luta contra a qual não há defesa possível, quando iniciada repentinamente, contra um atacante; e esta luta ao mesmo tempo tão eficiente e tão graciosa, merece ser vista quando autêntica, o “toque de cavalaria” explica porque se tornou luta e dança: êste toque avisava, outrora aos capoeiristas que a cavalaria da polícia se aproximava, e como a capoeira era reprimida porque escravo não devia possuir tais meios de defesa, isto bastava para que a luta se transformasse em dança!

      Mas deixemos as lembranças da capoeira da Bahia – “Bahia, minha Bahia" como eles costumam cantar, “Bahia de salvador. Quem não conhece capoeira / não lhe pode dar valor / Todos podem aprender / General e até Doutor / Mas para isso é necessário / Procurar um Professor“. O professor aqui está com seus alunos já formados!

      Aproveitemos esta oportunidade! Que a Fundação Cultural organize uma noite de capoeira, esta semana, ao Teatro Martins Penna para que a Capital de integração nacional possa conhecer uma arte brasileira! Que a TV convide os capoeiristas a fazer seu jôgo para os numerosos telespectadores. Que alguns clubes e instituções os convidem!

      A luta-dança que é folclore, beleza, alegria, e cuja malícia, e imprevisíveis aliadas à agilidade, representam o melhor meio de defesa que haja, - quem poderia prever que o capoeirista fingindo se retirar iria voltar-se repentinamente, pular de um lado para o outro, avançar, recuar, fingir que não vê o outro, girar, contorcer-se e, sem pressa alguma, só desferir o golpe quanto tiver certeza de não falhar nem errar? – a capoeira, que é bela tem de ser prestigiada, em Brasília, agora que surgiu esta oportunidade.

      Por isso peço com insistência que clubes, instituções, e, principalmente a Fundação Cultural convidem Mestre Gato a apresentar ao nosso público êsse espetáculo de uma arte típicamente brasileira, que surpreende e empolga, no ambiente que os cantos iorubá tornam quase místico.


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