Nas minhas rodas não tinha barulho porque quando eu chegava, tomando uma cerveja assim, quando eu cantava, a rapazeada vinha tudo render obediência assim. Me respeitavam muito, os meus alunos. E não tinha barulho, porque eu olhava pra eles assim, eles vinham pro pé de mim e ninguém brigava. (...)
O segredo dos valentões era uma camisa curta com a barriga pro lado de fora e a calça com a boca chamada boca de sino, que cobria o bico do sapato. Ali era homem valente. Eles usavam arma, mas chegavam no bar e pediam para guardar. Navalha e facão de dois cortes.
Tinha uns que usavam a navalha na cabeça e jogavam com o chapéu. Comprava um chapéu na loja, e não fazia ziguezague na copa, nada. Da forma que vinha eles usavam. Chapéu era canoado, copa redonda, que era a navalha presa com uma tira de borracha. Eu jogava de chapéu, mas não usava nada. Eu não quis usar essas coisas não. Sempre eu quis ficar fora de zoada, de barulho (...) Então esse valor eu tenho até hoje. Todo mundo me aprecia, todo mundo gosta. Chega aqui de ponta a ponta, não tem quem fale de mim, em assunto nenhum. Sei tratar todo mundo bem, não maltrato pessoa nenhuma.
Quem terminou de aprontar Traíra fui eu. Ele tirou onze anos e seis meses, ele era assassino. Matou um homem por causa de uma mulher. Quando ele saiu da cadeia veio me procurar. Eu tava com uma roda de capoeira, na ocasião em que Otávio Mangabeira estava se candidatando ao governo da Bahia [em 1947]. Ele aí me tomou por compadre e disse que eu ia acabar de aprontar ele, e aprontei. Jogava demais. Era uma serpente no chão.
Mais do que eu não vi ninguém jogar. Mas vou dizer a você, uns que já morreram: Barbosa, Onça Preta - esse tá no Rio, velho mas tá vivo - Eutíquio, pai de Gato Preto, Daniel jogava capoeira mas não era essa coisa toda. Maré era sopeiro, jogava capoeira mas só sabia jogar capoeira, não tocava berimbau, não cantava, não fazia nada. Samuel Querido de Deus era bom mas era sopeiro também. Só de jogo. Ficava esperando você pular pra ele dar uma cabeçada. Quando você queria forrar ele não queria mais jogar. Era crocodilo.
Eu morava em Periperi e um irmão meu, que lá doente também de derrame, apelidado por Homem Mau, mas era Lourival Rodrigues da Paixão, mora em Plataforma, tá vivo, não morreu ainda. Então ele disse: "Meu compadre - eu andava triste porque tinha vindo pra aqui, não conhecia ninguém", aí ele disse - "tem uma capoeira no Estica no Largo do Tanque". Aí eu vim, fui pra lá com um berimbau bom, e meu irmão falou pra eles deixarem eu tocar e cantar um bocadinho. E o Pastinha estava forte ainda, mas não era mestre de capoeira. Ele era o presidente da capoeira. O mestre da capoeira do finado Pastinha chamava-se Aberrê, era um preto. Quando Aberrê faleceu de repente, de colapso, tava cheio de mestre na capoeira, eu perguntei pra ele um dia: "Pastinha, quem é que você vai tirar pra ser mestre aí?" Ele disse: "Waldemar, aqui não tem mestre. O mestre vai ser todo mundo". E eu disse que ele tinha que tirar um mestre bom pra botar na capoeira. E eu já tava mestrando capoeira na Liberdade. Sempre ele me convidava pra eu passear lá. Ele disse: "Tem muito mestre, mas eu vou te falar a verdade: o mestre vou ser eu mesmo". Ele era presidente da capoeira. Prova é que ele não tocava berimbau, não tocava. Ele era pintor de parede. Ele faleceu e deixou alunos melhores do que ele.
Ele era considerado presidente da capoeira. Aí é que ficou João Pequeno, João Grande, eles é que são bom. Pastinha era defeituoso. Você chegava na roda dele, ficava frequentando, e ele dizia que você era aluno dele. Eu nunca tive esse defeito e nem tenho. Quando eu disser "é aluno meu" é por que eu ensinei e posso ensinar e sei..
O presidente da capoeira é que, quando tem uma viagem, ele é que arma aquele grupo. Tem que comprar camisa, ele é que toma a frente pra comprar. É diferente. Ele fazia esses negócios todo. Ele ia pro Rio e São Paulo e ganhava o dinheiro dele. Quando os alunos pediam, ele dizia "você ganhou nada". "Você não foi calçado, não foi de avião, não dormiu no hotel, não comeu bem, não tá aprendendo?" Não dava nada. E eu, tudo o que eu ganhava eu dividia com meus alunos.
E quando eu estava bebendo cerveja, e saía aquele dinheiro na roda, eu dizia ao juiz que ficava com o apito mudando os pares dos rapazes: "Divida lá com vocês, bebam, façam o que vocês quiserem. Não quero é barulho". Depois apanhava minha nêga e ia pro cinema.