• Boletim da Casa da Bahia - 3:3 - RJ
     Capoeiristas bahianos - Mestre Pastinha 
    J. de Souza
    abr./maio 1959

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    M Pastinha, 1959

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      CAPOEIRISTAS BAHIANOS – MESTRE PASTINHA

      Desconfiado, baixo e ágil, mestre Pastinha é o mais antigo capoeirista baiano. Nasceu em Salvador a 5 de abril de 1889. Já aos setenta anos joga a capoeira com a mesma vivacidade dos seus discípulos. Vicente F. Pastinha, acaboclado, palrador e afável, dirige o Centro Esportivo de Capoeira Angola, situado à ladeira do Pelourinho, 19, num amplo salão de magnifico e histórico prédio, junto à igreja do Rosário dos Pretos. Quem vai à Bahia não pode deixar de assistir, nas tardes de domingo, o mestre e os seus meninos ali vadiarem. A capoeira-angola é a mais bela e a mais difícil das lutas defensivas. No salão é como um ballet. Um ballet cheio de ritmos violentos. Porque a Capoeira é uma luta disfarçada numa dança. Numa dança cheia de mimicas (como a dos indios) e de golpes premeditados como a agudeza dos africanos. Na música bárbara dos berimbaus (o berimbau é a alma da capoeira, todo o ritmo depende do seu toque) que entoam com os caxixis acompanhados de chocalhos, pandeiros e reco-recos, eles dão comêço à luta-dança. Não fiquem, pois, espantados os espectadores se ouvirem, no silêncio das palmas, dos agôgôs e violas – um estalar de castanholas. É uma inovação na capoeira do mestre Pastinha. Influência dos seus ancestrais. Descendente de africano e pai espanhol, deu à capoeira Angola esta graciosidade nas suas brincadeiras de salão. Todos os seus discipulos tocam, lutam e cantam. Nisto está um capoeirista completo. Deve êle a sua maestria ao africano Cosme*, com quem aprendeu aos 10 anos de idade (como nos tempos do seu mestre êle continua a ser ligeiro, manhoso e sonso – coisas indispensáveis à luta). Mais tarde foi para a Marinha. Tinha sempre na mente os ensinamentos do mestre Cosme*. Pintor de profissão, desenhista e de tal habilidade que o grande escultor Mário Cravo convidou-o para um curso de escultura. Mas, o mestre é da capoeira. Dos rabos de arraias, das bênçãos e aús. Quando não tem o que fazer, fica na porta do Armazém Cadete, no Taboão, em frente ao Pelourinho, discutindo, recordando as suas façanhas e dos companheiros, relembrando o maior de seus discípulos, que foi Abêrrê. Tem o mestre o costume, quando conversa, de interrogar – já leu? Conversa com a mesma mímica que joga capoeira. É autor de vários cadernos com ensinamentos, anotações e desenhos. Num dêles lê-se conselho como êste: «temos defesa sentado, deitado, encostado e em dificil posição. Quando mais calmo, melhor para atender a sua agilidade». É assim o mestre Pastinha. Um capoeirista convicto. Diz êle que o principal da capoeira é a cabeçada. Como a capoeira está na cabeça, êle é senhor absoluto no assunto e por demais seguro e hábil nas cabeçadas.

      Ei-lo, atento e firme, olhando os seus meninos vadiarem. Estão acocorados esperando o canto antes do início do jôgo. Em pé, junto à bateria, o diretor do canto tira a toada. Êles pedem a proteção divina. Benzem-se. E um dêles inicia o seu improviso. E o discípulo canta. É um canto provisório de capoeira:

      Agora eu vou cantando
      cantando dando louvores
      Viva Vicente Pastinha
      O mestre que me ensinou
      conhecido por professor
      na capital de Salvador

      Camaradinho é… camará…

      * o mestre de M Pastinha foi africano Benedito, não temos informação sobre africano Cosme.


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