• Correio Braziliense
     CAPOEIRA, SÓ ANGOLA 
    26 de março de 1969

    Imagens

    • Em pé:
      Gato II (Sinésio Souza Góes, M Gato Góes, com berimbau)
      Jogando:
      M Gato Preto e Gatinho (Jośe Souza Góes, M Zeca)
      Teatro Martins Penna, Brasília

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    • Em pé:
      Gato II (Sinésio Souza Góes, M Gato Góes, com berimbau)
      Jogando:
      M Gato Preto e Gatinho (Jośe Souza Góes, M Zeca)
      Teatro Martins Penna, Brasília

    M Gato Preto, 1969


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      CAPOEIRA, SÓ ANGOLA
      26 de março 1969
      Correio Braziliense

      Texto de Maria Valdira
      Fotos de Teobaldo Santos

      Foto 1: “Filho de peixe, peixinho é”. Mestre Gato e seu filho Gato II numa exibição de capoeira.
      Foto 2: Mestre Gato tem a leveza de uma pluma nos seus saltos de “Papa da Capoeira”.

      Para quem nunca ouviu falar do Mestre Gato, esta é a sua ficha: nome de batismo, José Gabriel Góes, nascido na Bahia de Todos os Santos e de “Todos os Deuses” (como se chamou a apresentação do seu show em Brasília) um preto simpático, manso, tranqüilo, com um sorriso branco, que esconde de qualquer um a agilidade de gato (que lhe valeu o apelido), e uma destreza exceptional que lhe conquistou, merecidamente, o cognome de “Papa da Capoeira” na Bahia. Mestre Gato é mais para magro, e o seu corpo demonstra a leveza de que dá provas quando se exibe como grande capoeirista que é. Mestre Gato é capoeirista nato. Nasceu com aquilo no sangue. Tanto assim que seus dois filhos, Sinésio Souza Góes, já conhecido por “Gato II”, de oito anos de idade [17, que nasceu em setembro de 1951], e José Souza Góes, o “Gatinho”, de 7 anos [12, que nasceu em abril de 1956], comprovam o ditado popular de que “filho de peixe, peixinho é”, e são companheiros do pai na simples, porém difícil arte de lutar a capoeira.

      Quando tinha somente 8 anos de idade, José Gabriel ganhou de seus companheiros o apelido de “gato”, em hora as suas incríveis travessuras e às escapadas que conseguia realizar através de saltos de mestre. O “mestre” veio com o tempo, mas ainda quando José Gabriel não era senão um adolescente. Hoje, Mestre Gato que, na Bahia, ensina os golpes da capoeira na Academia de Capoeira Angola, na Escola de Dança da Universidade da Bahia e na Escolinha de Artes Plásticas, já representou o Brasil em diversas oportunidades, conquistando prêmios para a apresentação do folclore brasileiro; já estêve 5 vêzes no Rio; em 1963 estêve em Brasília, na Festa do Candango; no Rio Grande do Sul, em 1962; Belo Horizonte, em 1959; em Pernambuco (1959); em Sergipe (1959); em Dacar, África, no Festival de Arte Negra, quando então conquistou para o Brasil o 1o. prêmio; em Paris, França (1966); em São Vicente de Portugal (1966); e agora, em Brasília (onde se apresentou, nos dias 21, 22 e 23, na Universidade, no Colêgio do Plano-Pilôto, no Quartel da PM, no Teatro Martins Penna e em Sobradinho). Para a alegria e o encantamente de crianças e adultos. E para maior glória da arte, autêntica e bela.

      A CAPOEIRA

      O espetáculo começa aos primeiros acordes de uma música que é ao mesmo tempo nostálgica e trepidante: O Hino da Capoeira, que veio de Angola, com os negros cativos:

      „Bahia, minha Bahia, cidade de Salvador;
      quem nunca foi na Bahia, não sabe o que é valor;
      Capoeira, só Angola, que aprende até doutô;
      aprende deputado, general e senador.
      O sinhô venha na Bahia, conhecer os professôres,
      Camarada;
      Iê, alueandê, camarada…
      Iê, galo cantou, camarada…

      O capoeirista se agacha aos pés dos dois berimbaus, enquanto o mestre canta o hino. Continua abaixado; daí sai para a selva, agachado ainda. Em seguida, o Mestre canta „Barravento“, os dois capoeiristas fazem uma cruz no chão, se benzem, se apertam as mãos e saem para a luta:

      Como vai, como está
      Camugerê
      Como vai vosmicê
      Camugerê.
      Como vai de saúde
      Camugerê
      Eu vim aqui lhe vê…“

      E segue-se uma profusão de „gingados“, „individuais“, „agachados“, „sapinhos“, „meias luas de frente“, „meias luas armadas“, „aus“, „saltos mortais“, „rolôs“, e „chamas“. Essas músicas, cheias de misticismos, e êsse vocabulário específico fazem parte de um ritual afro-brasileiro, que é dança e é jôgo e é luta ao mesmo tempo: a capoeira. Usada pelos escravos como instrumento de defesa que não os comprometia, a capoeira adquiriu em terras brasileiras nuances de artista. A imaginação sofrida do negro escravo desdobrou a arte da defesa e do ataque também a ponto de tornar a capoeira, que aparentemente é um divertimento inocente e sem consequências, num instrumento mortal, perigosíssimo. Proibídos de portarem qualquer espécie de arma, os negros escravizados ao senhor branco descobriram que, com seu próprio corpo, poderiam criar armas fatais. E criaram a capoeira, uma luta bonita, quase uma baleet fantástico, com música e tudo. A capoeira tem 360 golpes, divididos em duas partes: 180 golpes e 180 contra golpes, havendo dêles que, se aplicados para valer, provocam a morte do parceiro. Da capoeira foram nascendo variações. E assim, surgiram o maculelê, o samba de roda, e a capoeira no samba. Como diz o hino, todo mundo pode aprender a capoeira: não só deputado, general e senador, mas também rapazes, môças e crianças. Para os rapazes são permitidos golpes mais variados, entre êles o „gingado“, os „individuais“, os „agachados“, o „sapinho“, a „meia lua de frente“ e a „armada“, o „au“, e o „salto mortal“. Já as môças poderão aprender os golpes de „rabo de arraia“, „martelo“, „benção de frente“, „rasteira“, „galopante“ e „gingado“. As crianças começam com o „gingado“, aprendendo primeiro a manejar os instrumentos musicais (berimbau, pandeiro, reco-reco e agogô), e depois aprendem alguns golpes infantis, mas que não poderão aplicar em seus colegas: „bênção de frente“, „defesa da bênção de frente“ (neste, a pessoa fica rasteira com o chão), „rolô“, „meio salto mortal“, „au de lado“ e „chama“. A criança pode aprender desde a idade de 7 anos até os 14. Para adultos não há limites de idade. Um ano é o prazo para o aprendizado dos meninos. Môça só ganha carteira de capoeirista depois de um ano de curso. Para o rapaz o prazo é mais longo: só com ano e meio, embora com seis mêses êle já seja capaz de aplicar os golpes mais difíceis.

      BERIMBAU

      Assim como não se concebe a idéia de um samba sem pandeiro, é difícil imaginar uma capoeira sem berimbau. O berimbau, instrumento de uma simplicidade a tôda a prova, mas, talvez por isso mesmo, de uma grande beleza, é parte integrante da alma da capoeira. Sob o seu som é que os capoeiristas se inspiram para dar os seus golpes que exigem grande habilidade e destreza. Além do Hino da Capoeira, que é a música especial da luta, há melodias e ritmos próprios para cada fase da exibição. Durante a luta, um berimbau toca a Angola enquanto o outro executa o „São Bento Grande“.

      Uma cabaça, uma pedaço de beriba ou pau d’arco, um pedaço de arame, uma cana brava ou tala de dendê, algumas sementes de murungu e uma moeda ou pedaço de aço puro, eis com quanto se faz um berimbau. A cabaça é a caixa de ressonância e toma o nome de cumbuca. A vaqueta, feita de beriba, pau d’arco ou taipoca, serve para dar o tinido, quando vibrada na corda do berimbau; a corda é de arame de aço; a verga é da mesma madeira da vaquera da taipoca e o caxixi, da cana brava ou tala de dendê. O fundo do caxixi é feito do pescoço da cabaça e dentro dêle se colocam sementes de bananeira brava ou de murungu. A moeda original seria um dobrão de 40 réis; na falta dêsse, um pedaço de aço puro serve para proteger a caixa de ressonância. O caxixi protege o ritmo do berimbau, a vaqueta dá a trepidação para a caixa de ressonância. O tom é dado pela moeda e daí sai o toque ritmado do berimbau. Tanta simplicidade não significa que qualquer um pode tocar. Nem todos têm aquêle ritmo indispensável para fazer do som do berimbau uma obra de arte. Dezesseis toques fazem um profissional do berimbau. 16 toques, e um ouvido muito bom para captar a beleza dos sons que existem no universo.

    Local da apresentação

    Teatro Martins Penna


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