Tribuna da Bahia
Mestre Pastinha ganha pensão. E a academia?
16 de janeiro de 1975
Mestre Pastinha ganha pensão. E a academia?
Tribuna da Bahia
16/jan/1975
A Câmara Municipal aprovou projeto concedendo pensão de três salários-mínimos ao mestre Pastinha. Sobre a novidade, "agradecendo aos homens de boa vontade desta terra", o velho Pastinha diz que "isso é melhor que nada", mas não pode garantir a sua subsistência, vindo somente diminuir as dificuldades atuais. Duas famílias, 16 pessoas e três filhas, dependem dos rendimentos de Pastinha.
Mestre Pastinha recebia apenas Cr$ 300 mensais, autorizados na época em que o atual governador Antônio Carlos era prefeito de Salvador. Essa pensão foi conseguida por um pedido pessoal de Pastinha e, empossado, o prefeiro Clériston Andrade resolveu aumentá-la para Cr$ 500. Com o aumento do custo de vida, o dinheiro "ficou curto e não chega nem mais para as despesas", eslarece Pastinha.
O velho capoeirista diz que consegue sobreviver à custa de amigos que o ajudam nas suas despesas. Entre eles, cita alguns como Jorge Amado, Wilson Lins e Mário Cravo. Mas explica que não faz uso desse recurso sistematicamente. "É, ultimamente", concluiu, "as dificuldades aumentaram muito mais porque a cegueira e o reumatismo, mais recente, me impedem de sair e visitar os que me ajudam. Mas não vou morrer de fome".
PASTINHA E O PATRIMÓNIO
Reumático, completamente cego, mestre Pastinha é hoje um homem amargurado pelas injustiças de que tem sido vítima, conforme explica. Tinha sua academia de capoeira no Pelourinho e o local foi vendido, não havendo quem se preocupasse em lhe dar indenização, apesar de esse direito ter sido estendido aos outros inquilinos. Mestre Pastinha, indignado, culpa a direção do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia que o deixou sem os rendimentos que a academia proporcionava, sua única maneira de ganhar a vida.
Evitando mencionar nominalmente os que prejudicaram sua vida, Pastinha não esconde seus ressentimentos. Chamado a desocupar o prédio, juntou móveis e utensílios num único lugar e a mudança foi providenciada na sua ausência, não tendo nada sido devolvido até hoje, assegura.
Mestre Pastinha conta que procurou a direção do Patrimônio, no Pelourinho, na época, tendo sido muito mal recebido e acrecenta: "Só porque sou um capoeirista me tratam assim". A conclusão foi o desaparecimento de todos os seus móveis, sem haver quem pudesse assumir responsabilidade. E suas lamentações são mais vigorosos porque a cegueira já havia começada, impedindo que tomasse uma posição, porque, como diz, "se estivesse bom, não faziam isso, porque eu sei como tomar as minhas coisas".
Pastinha já não consegue mais riscar um fósforo para acender o seu cigarro. Ainda deseja recuperar a academia de capoeira, para evitar que mais tarde chegue a pedir esmolas e que as pessoas digam "vá trabalhar". Ele esclarece que isso é doloroso para um velho que já criou uma imagem positiva do folclore baiano. "Na mocidade fui jornaleiro, engraxate, alfaiate e ajudante de pedreiro. Hoje estou abandonado".
PASTINHA E O PELOURINHO
O velho capoeirisita enche os olhos de lágrimas quando algum amigo lhe fala do Pelourinho recuperado. Sente vergonha de não poder particiar de festa que fazem no lugar onde viveu, entre glórias, segundo suas palavras. Quanto a isso, ainda diz que o Patrimônio não se lembrou dele. E desabafa: "Eu sou Vicente Ferreira Pastinha, cidadão baiano. Eu tenho arte e profissão".
Muito mal acomodado numa casa de fundos de um prédio do Pelourinho, Pastinha só tem um desejo: a sua academia de capoeira de volta. Demonstra gratidão pela pensão que o poder público acabou de estabelecer para ele. Não pensa em sair do Pelourinho, onde velhos amigos o visitam, amenizando as angústias de sua velhice. "Foi a idade avançada que me afastou do mundo".
Suas queixas estendem-se também à antiga Sutursa, onde, afirma, certa vez lhe foi apresentado um documento para que assinasse, declarando-se afastado da capoeira. E no Patrimônio foi aconselhado a abandonar a sua arte, acusado de fazer publicidade em proveito prôprio, em troca da promessa de "uma coisa".
Pastinha declara que nunca vai deixar a capoeira, uma arte que cultuou durante muitos anos e que lhe custou a vida, para que, atualmente, uns poucos possam se apossar da glória dos seus esforços. Só quer mesmo que lhe devolvam a oportunidade de reabrir sua famosa academia. Esta súplica tem sido uma constante nas suas conversas, segundo depoimentos da pessoas mais próximas ao mestre Pastinha.