• Correio Braziliense
     ESQUINA DE BRASÍLIA 
    26 de março de 1969

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    M Gato Preto, 1969

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      Esquina de Brasília
      26 de março 1969
      Correio Braziliense

      Yvonne Jean

      Fomos, na noite de domingo [23 de março], para o Teatro Martins Penna, onde os capoeiristas de Mestre Gato iam se apresentar às 21 horas. Estávamos ansiosos para rever a bela arte tão brasileira, que tanto empolga, que tanto nos impressionou na Bahia, provocando um entusiasmo que tentaramos transmitir aos leitores do “Correio Braziliense” ao anunciar a auspiciosa notícia, ou seja a chegada a Brasília de autênticos e excelentes capoeiristas.

      Encontramos uma fila na entrada do teatro – principalmente jovens – que também demonstravam pela atitude esta alegre ansiedade que precede os espetáculos que temos vontade de ver. Entretanto, a porta que leva para a sala permanecia fechada e estranhos boatos começavam a circular. “Não haveria mais espetáculo”, “proibiram a capoeira”, etc.

      Entramos no recinto e encontramos Mestre Gato explicando a três senhores que capoeira não é pugilismo e sim folclore, e sim arte, tanto assim que ensina arte na Universidade da Bahia. Porque estava falando em pugilismo? Porque os senhores presentes representavam a Federação de Pugilismo. Um deles que se apresentou como interventor na dita Federação viera proibir o espetáculo porque os nossos amigos baianos não tinham pedido licença a esta Federação cuja existência ingoravam (como, preciso dizê-lo a bem da verdade, nós também a ignorávamos).

      Mestre Gato explicava e repetia que a capoeira não é pugilismo. O inventor repetia que a capoeira está citada entre as lutas que dependem da sua Federação.

      Pediu-se que o interventor esquecesse a exigência não cumprida, que deixasse o grupo aproveitar a oportunidade dada pela Fundação Cultural que lhe ofereceu o nosso melhor teatro, para ajudá-los, que não decepcionasse as pessoas que estavam esperando na porta e ansiosos para assistir ao espetáculo. Os argumentos de nada adiantaram. O senhor interventor repetia sempre que não era possível, que não haveria espetáculo.

      Perguntou-se se aceitaria um espetáculo gratuito. Também negou a permissão. Sugeriu-se uma ida de todos ao campus universitário ou até à sede da Sociedade de Folclore em Sobradinho. O senhor interventor negou terminantemente a permissão de uma apresentação em qualquer lugar do Distrito Federal, dizendo que soube que já houve demonstrações de capoeira na UNB, que não soubera disso antes, pois se tivesse sabido teria impedido.

      De nada adiantaram os argumentos dos capoeiristas que sempre se apresentam na Bahia e em outros Estados, que precisavam dêste espetáculo para reunir o dinheirinho necessário para voltar a Salvador, como de nada adiantaram os pedidos de brasilienses para que fizesse uma exceção, dêsse um jeito, compreendesse o drama que representava o abandono do teatro.

      Mas o senhor interventor da Federação de Pugilismo ficou frio, surdo e decidido. E não houve espetáculo.

      Perguntamos se, caso haja necessidade, de pedir uma permissão e pagar uma taxa e caso se teimasse em enquadrar a capoeira entre as lutas, pedido e pagamento não deveriam ser encaminhados ao Conselho Nacional dos Esportes do MEC. Perguntamos se êste senhor tão severo não exorbitou suas atribuições.

      Mas o que está feito está feito. Nós todos que para lá fomos, ficamos decepcionados como o ficaram os capoeiristas, loucos para demonstrar sua perícia e transmitir o sentido da capoeira e do maculelê aos brasilienses.

      Permitímo-nos fazer um pedido aos nossos leitores. Pedimos que, ajudem os capoeiristas a voltar tranqüilamente para sua terra. Já que Brasília os tratou tão mal, que se desculpe dando-lhes uma ligeira compensação. Não a que queriam: merecer um salário pelo trabalho bem cumprido, mas a simples ajuda ditada pela fraternidade humana. Que todos mandem uma pequena importância para o Centro de Estudos Portugueses da UNB onde funciona o Centro Brasileiro de Folclore. Se muitos mandarem sua contribuição, chegar-se-á a importância necessária para a viagem de volta do grupo. Que mandem hoje, hoje mesmo, esta sua manifestação de simpatia de Brasília para com os capoeiristas baianos. Como simples demonstração de apoio da cidade que espera sua volta êste ano, em melhores condições.

      Agradeço o apoio, que tenho a certeza disso, os brasilienses farão questão de dar, em sinal de desculpas coletivas da nossa cidade para com visitantes que mereciam mais compreensão.


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