A periculosidade de Mansu Valente pode ser percebida na musa popular [escuta acima - velhosmestres.com]:
Quem quizê ter piedade
vá na grade da cadeia
onde está Mansu Valente
na escura sem candeia
Quanto à vida marcada pela violência, e o desfêcho trágico do desordeiro Pedro Mineiro, vamos encontrar informações em versos cantados na „roda da capoeira“ no decorrer das suas exibições:
No botequim de Galinho
era no Largo da Sé
Pedro Minêro matou marinhêro
por causa de Maria José
estava no pôrto da Bahia
Coraçado Idaban
e Torpedêra Piaui
marinhêro insubordinado
saltou pintando arrelia
mandaro matá Pedro Minêro
dentro da delegacia
(Côro)
Auê, toma sintido,
capoêra tem fundamento…
Aloanguê…
Aloanguê…
Capoêra vai ti batê…
A „Baixinha“, no Taboão, era o local onde se reuniam os valentões de outrora, continua Daniel. Na década de vinte, os piquetes de cavalaria da polícia montada tiveram muito trabalho no combate aos crimes ali praticados, quase todos com golpe de cabeçada de „churuméla“ e navalha.
Os jornais da época registram êsses acontecimentos da crônica policial de Salvador. Conta A Tarde de 29.1.1915: „Na Praça „15 Mistérios“ o capoeirista Manoel Mendes, vulgo „Manoel Tié“ liquidou a cabeçadas Reinaldo Pereira Lopes“.
„No lugar chamado „Carvão“, Inácio Loiola de Miranda, engalfinhou-se com o soldado Aristides José de Santana, que sacou do sabre, desferindo, inútilmente, uma série de golpes no desordeiro, que se esquivava, lançando mão dos recursos da capoeira, e acabou prostrando morto o soldado com uma cabeçada (A Tarde 18.12.1916). No Taboão, José Batista da Cruz, apelidado „Guruxinha“, foi atingido por navalhadas aplicadas pelo peixeiro e capoeirista Pedro dos Santos, „Pedro Porreta“, coadjuvado pelo irmão Pedro de Alcântara, „Piroca“. A vítima faleceu posteriormente“ (A Tarde 14.12.1920).
Entre os bambas da capoeiragem do passado, „Noronha“ lembrou os nomes de Eutiquio das Malhadas, Alfeu Balbúrdia, Felipe Negrão, Zacarias Grande, Bigode de Sêda, Livino Diogo, Hilário Rosa de Viterbo (Bilusca), Antônio das Neves (Maré), Percílio Engraxate, Geraldo Chapeleiro, Geraldo Pé de Abelha, Eduardo Carrocinha, Pedro Agonia, Domingos Ferro Velho, Júlio Cabeça de Leitoa, Negrão Benedito Cão, Cirilo Grande, Amorzinho, que era bom „cabeceiro“ mas gostava da „branca“, e Ricardo Doqueiro, dos quais, alguns ainda estão no rol dos vivos.
Daniel Coutinho, baiano, nascido na Baixa dos Sapateiros, com quase 70 anos [61, nascido em 1909 - velhosmestres.com], filho de José Coutinho e Dona Maria Conceições, ambos de sangue indígena é um dêles. Ainda menino aprendeu a difícil arte da capoeira, da „solta“ e do „rabo-de-arraia“, com um descendente de negro Angola, o velho Cândido Pequeno.
Noronha, apesar do pêso dos anos, maneja com desembaraço o „gunga“, (berimbau).
Daniel recorda que em 2 de fevereiro, no lugarejo denominado „Cabrito“, no Recôncavo, celebrava-se todo ano o culto de Yemanjá. Armava-se um „carramanchão“ (tablado) no adro da Igrejinha e com alegria dos devotos da Santa, a festa começava com samba, batuque, capoeira e se prolongava por três dias. Êstes festejos eram organizados por Galindeu, velho mestre do passado, praticante de ritos africanos, e muito respeitado lá em Cabrito, onde tinha uma grande clientela entre os que adoravam Iansã. Morreu, aos oitenta anos.
Daniel transfigura-se ao rememorar o passado perdido na bruma dos tempos, e murmura algumas cantigas, que eram entoadas por êle na „roda da vadiagem“, onde o velho mestre unia a barriga ao „gunga“ (berimbau), ao baticum, e ao ronco do „bode“ (pandeiro).
Tiririca é faca de cortá
só corta muleque de Sinhá
cacunbuca é faca de cozinha
qui vem lá de Mucungê
Mucungê qui vem de barra afora
barra afora qui é saco de pecadô
Nêga ti qui vende aí
é arroz de Maranhão
meu Sinhô mandou eu vendê
na cova de Salomão