BERIMBAU E CAPOEIRA NA REDAÇÃO DE “ULTIMA HORA“ – NEGAM-SE A VOLTAR À BAHIA SEM ENSINAR O PAULISTA A BRIGAR
Evaristo e Ananias, dois jovens da Companhia Baiana Folclorica de Oxumaré, estão descontentes com as sugestões de Sergio Maia – „Só não arranjei um emprego na Polícia porque não tenho pratica das quatro contas“ – (Reportagem de IBIAPABA MARTINS – Fotos de RUI COSTA)
A Bahia, que sempre exportou oradores, candidatos e deputados e ultimamente o sangue novo dos candomblés para Terreiros e Umbanda, faz uma iniciativa, timida e incipiente, de exportar a capoeira. Sim, a tão falada capoeira, em torno da qual se criaram lendas e mais lendas, a respeito da qual todos têm algo para contar mesmo que nunca tivessem visto capoeirista em evoluções coreograficas dos „rabos de arraia“, „aús“ e „chibatas“.
O CASO
O caso aconteceu de maneira mais ou menos simples. Certo cidadão baiano, o sr. Sergio Maia, notando o interesse paulistano sobre as coisas da „Boa Terra“, apressadamente formou um conjunto a que deu o nome de „Companhia Baiana Folclorica Oxumaré“ e se fez de malas para o Sul. O conjunto incluia, entre outros numeros, a capoeira. Um grupo de rapazes, afeitos ao malabarismo corriquiero na Baixa dos Sapateiro e Brotas, topou a excursão. Apanhando berimbaus e caxixis, seguiram em companhia de Sergio Maia na direção de São Paulo.
Logo mais, estavam dando espetaculo no Teatro de Cultura Artistica, espetaculos apreciados pelos amantes do folclore mas relativamente pouco aceitos pelo publico pagante, aquele que enche salas de espetaculo e evita que artistas morram de inanição. Enquanto a „Companhia Baiana Folclorica Oxumaré“ atuou em São Paulo, o Teatro de Cultura Artistica se apresentou mais ou menos vazio, pessimista, triste, não obstante os cantos do candomblé e o apressado gemer dos berimbaus. Aborrecido, Sergio Maia decidiu dissolver a companhia. Quem quisesse, poderia voltar à Bahia porque S. Paulo – foi o que disse – não estava muito preparado para os espetaculos de folclore baiano, estilizado com amor e arte.
Ora, aconteceu que os capoeiras não concordaram com a ideia. Quando haviam topado a iniciativa, pensavam ficar de vez na terra da garoa, ganhando a vida à custa de „chibatas“. Jonas, Adão, Evaristo e Ananias decidiram então rebelar-se contra a volta. Fizeram pé firme e, agora, estão dispostos a aceitar qualquer oferta. Estão dispostos, mesmo, a trabalhar em „boites“, entremisturando golpes de capoeira à apresentação risonha de „girls“ americanizadas.
TABAREO QUE VEM DO SERTÃO
Infelizmente, um dos rapazes não sabe ler nem escrever. Foi ele proprio, Evaristo Martins, frequentador do Terreiro de Mestre Waldemar, que nós disse:
- „Eu tinha uma proposta de Policia, mas não sabia as operações das quatro contas e nada pude fazer... Ia ensinar prá eles...“
Agil, forte, é praticamente o chefe dos quatro capoeiras. Enquanto Adão Felix Reis e Jonas Ferreira dos Santos empunham o berimbau, o caxixi e o atabaque, ele e Ananias Ferreira cruzam passos de capoeira no centro do terreiro, cantando:
„Tabareo que vem do sertão,
Vendo quiabo e maxixo e tostão...“
Canta de ouvido, decorando tudo porque não sabe ler. É um tabareo na acepção da palavra, embora se tenha criado na velha Liberdade de Salvador, aprendendo o melhor do que sabe com Mestre Waldemar.
- „Mas, enfim“, esclareceu-nos o rapaz, „estamos dispostos a trazer a capoeira para São Paulo. Achamos que ela não [..] como espetaculo de teatro ou para integrar os numeros das „boites“. Achamos que as academias de box, jiu-jitsu ou luta livre poderiam incluir nossa arte em seus programas. [..] aprender capoeira...“
E é assim que a capoeira principia a tornar-se mais um dos artigos de exportação da Bahia. Evaristo Martins, especialista em cabeçadas e rasteiras, quer trabalhar nessa exportação...
ANGOLA, SÃO BENTO OU REGIONAL
A gosto do freguês, Evaristo e Ananias ensinarão os diversos metodos de capoeiragem, à vontade do freguês. Darão lições de „Angola“, a genuina, em que é emerito Mestre Pastinha. Vestidos de branco, sem tocar o corpo do adversario, executarão maravilhas coreograficas. Tambem poderão transmitir os diversos ardis da „Regional“, criada por Mestre Bimba e que por sinal nada tem de regional pois se impregnou do cosmopolitismo do jiu-jitsu, do boxe e da luta romana. E, conforme ainda, ensinarão o paulista a lutar segundo os preceitos da Capoeira de São Bento, que mete as mãos no freguês, eficiente e brava.
- „Como quiserem“, explica Evaristo, „porque brincamos ao gosto do parceiro. Estamos nessa vadiação faz anos já pois que todos nós aprendemos levando muito tombo nos [..] de Amaralina e Brotas...“