Joel Lourenço do Espírito Santo
Mestre Joel Lourenço
19?? - 20??
O ABC
19?? - Nasceu na Bahia Joel Lourenço do Espírito Santo.
1946 - Nos jornais O Jornal, A Manhã e Diário de Notícias de Rio de Janeiro de 4 de junho aparece entre despachos de montepio dos empregados municipais.
1947 - No O Jornal (RJ) de 11 de junho e 12 de outubro é listado à Secretaria Geral de Administração, Departamento do Pessoal.
1953 - No 31 de maio aparece no artigo do Flan «A Arte dos «Moleques de Sinhá»» por Antônio Carlos (Edison Carneiro) - leia abaixo!
1955 - 23 de janeiro: Diário de Notícias: «Elementos novos no folclore carioca» por Edison Carneiro. 19 de julho: Diário Oficial: licenças concedidas aos servidores: Joel Lourenço do Espírito Santo - Trabalhador - 10 dias, de 13 de julho de 1955 a 22 de julho de 1955.
1961 - O Jornal de 18 de julho fala como o grupo dele participou no I Festival de Folclore. 24-25 de julho: Leitura: desfile folclórico em homenagem ao Conselho: Capoeira (Bahia), de Joel Lourenço.
1962 - Dias Gomes empregou ele e outros capoeiristas (entre eles M Paraná) ao Pagador de Promessas no Teatro Nacional da Comédia em Rio.
1963 - Apresentação no Ministério da Cultura. Jornal do Commercio, 29 de maio.
1977 - No 27 de fevereiro gravou com seu Grupo Joel Lourenço o disco Samba de Caboclo - RJ em São João de Meriti (escuta acima!).
1980 - No 14 de março fez uma exibição na abertura do Museu de Folclore Edison Carneiro. O Globo, 15 de março.
2003 - Com sua esposa Ismarina do Espírito Santo aparece num processo jurídico.
20?? - Faleceu.
«A Arte dos «Moleques de Sinhá»», 1953
O artigo
«A Arte dos «Moleques de Sinhá»»
Antônio Carlos (Edison Carneiro)
Flam, 31 de maio, 1953
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-"Camarada Bota Sentido! Capoeira Vai te Batê..."
Uma grande figura: o velho Antenor dos Santos - presidente da Portela [1948-50 o presidente, depois vice-presidente] e animador da capoeira. Na mão direita, o velho mostra o "dobrão", a moeda imperial de 40 réis, que o tocador de berimbau encosta de vez em quando, à corda, para obter certas notas. Na esquerda, a vareta com que a corda é vibrada e o saquinho de palhas que se chama caxixi. Ao lado, vê-se a cabaça cortada que serve de caixa ressonância.
Um Jôgo de Destreza e Inteligência Que Nos Legaram os Negros de Angola - A "Vadiação" da Bahia Encontra Ambiente no Distrito Federal - Nascimento da Capoeira: o Liberto se Valeu Dêsse Costume de Angola Para Sobreviver - O Capoeira Combate Com os Membros Inferiores - O Tipo Histórico do Capoeira - Um Grupo Singular - Os Ritmos da Capoeira - Uma Forma de Competição Individual
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Capoeira é capoeira
Há uma forma de luta competitiva, que se exibe nos "rings", a que se tem dado, bem ou mal, o nome de capoeira. É claro que essa capoeira tem alguma coisa a ver com a capoeira popular, folclórica, de origem africana, que ainda se encontra em relativa pureza na Bahia - especialmente o aproveitamento das pernas para derrotar o adversário - mas também inclui tantos outros golpes, tomados a outros tipos de luta, que da capoeira, praticamente, resta apenas o nome. O negro Bimba, da Bahia, não terá sido o primeiro a tentar esta fusão de várias maneiras de lutar sob o nome de capoeira e, provávelmente, não será o último. Tôdas essas tentativas, porém, já que desfiguram a capoeira, estão destinadas ao insucesso.
Com efeito, o jôgo da capoeira é uma competição de delicadeza e inteligência, e não de fôrça bruta. Não é pos-
Legenda da foto: Mas esta é que é a boa defesa contra a "chapa de pé". O Velhinho se abaixa e vai aproveitar a ocasião para derrubar o Comprido com uma "rasteira"
sivel imaginar o capoeira agarrado ao adversário, nem vibrando-lhe golpes decisivos ou fatais. O capoeira joga de longe, fazendo mais negaças e piruetas do que realmente atacando, mas ser pre alerta, sempre pronto a aproveitar o descuido do parceiro para pó-lo por terra, com uma "cabeçada", um "aú", um "rabo darraia"... A manha, a solércia, o domínio de si, a atenção e a vigilância, e certamente a agilidade e a presteza, são condições mais importantes para o capoeira do que a simples fôrça muscular. Uma das identificações do bom capoeira é saber jogar sem sujar a roupa, nem perder o chapéu, embora o jôgo, como se sabe, exija saltos, cambalhotas, descaídas e outros recursos que mantêm o jogador sempre perto do chão.
A capoeira que noticiamos nesta reportagem é a capoeira popular, de Angola, na forma que assumiu na Bahia - uma "vadiação" entre amigos.
A capoeira de Angola
A capoeira é um legado do negro de Angola.
Homens de grande vivacidade, inteligentes e hábeis, êstes negros, de fala macia, de tez rosca, altos e de canelas finas, tinham fama de não gostar muito do trabalho servil. Com efeito, era com turbulência que se sujeitavam, afinal, à nova condição: sempre formaram a maioria nos quilombos, inclusive o de Palmares, e nas insurreições de escravos. Acomodavam-se mais ao trabalho nas cidades, como vendedores e carregadores, negros de arruar, mão de obra para todo o serviço... Vinham de uma região em que mal existia o pastoreio e a criação de gado, de maneira que a profissão masculina mais rendosa era mesmo a das armas, na guarda pessoal do rei, na defesa de algum potentado contra os seus inimigos.
A capoeira, na África, era um jôgo de destreza para a juventude, uma das muitas formas de preparação para a guerra. Era a forma mais fácil e portanto, a mais popular. Exigia apenas atenção, agilidade e presteza, qualidades não difíceis de encontrar num povo em estágio primário de desenvolvimento social. Esporte nacional, a capoeira podia, em caso de necessidade, servir de arma pessoal, para o ataque e para a defesa. E como o jôgo era um combate singular, não
Legenda da foto: Êste é o "aú", salto mortal com que o capoeira afasta o adversário. Joel ataca e o Comprido se defende com um golpe terrível - a "cabeçada"
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precisava de qualquer organização oficial para se difundir entre a população.
Vindo para o Brasil, o Angola trouxe consigo os seus costumes nacionais, e entre êles a capoeira. Entretanto, o aparecimento do capoeira como tipo social não coincidiu com a chegada das levas de Angolas aos portos brasileiros. O capoeira foi um produto da sociedade do tempo - e mais exatamente do meio urbano da colónia e do Império, - e foi para garantir a sua liberdade de fato ou de direito, que o Angola recorreu a êsse costume da terra natal. Ainda hoje os capoeiras se referam aos "moleques de Sinhá", os afilhados e protegidos dos brancos, já destacados da massa dos negros, mas ainda confundidos, oficialmente, com a escravaria. Para se fazer respeitar, para se afirmar como indivíduo, para sobreviver, o Angola ressucitou a capoeira.
E, com ela, o batuque ou pernada, que cada vez mais se torna o instrumento de defesa do carioca.
Um grupo de baianos
O velho Antenor dos Santos, membro da Diretoria de Samba Portela, marítimo, natural de Minas Gerais, é o animador do grupo. Estêve muitas vêzes na Bahia e, de tudo o que lá viu, nada lhe pareceu melhor do que a capoeira. Saudável, bem humorado, o velho Antenor, que já não se sente dispôsto, em virtude da idade, a enfrentar um adversário na arena, se contenta com ser o animador do grupo.
Joel Lourenço do Espírito Santo, baiano, seu genro, funcionário do 11o Distrito de Obras da Prefeitura, residente na Rua Itaúba, 243 (Madureira), concentra e dirige os capoeiras baianos que se encontram no Distrito Federal. Talvez seja êste negro, entre todos os seus companheiros, aquêle em quem é mais patente a herança espiritual do Angola. Ágil como um gato, manhoso, combativo, e pessoalmente grande "praça", até nas descaídas e no modo de correr, bamboleando o corpo, lembra o Angola celebrado nas crónicas da capoeira.
O capoeira, em geral, é indisciplinado, individualista, pouco firme nos tratos e muito propenso a considerar-se "estêla". Martinez Júnior, por exemplo, alto e franzino, físicamente o tipo clássico do capoeira, afirma haver desafiado Joe Louis [1914-1981, boxer americano]...
Brincá com capoeira
Êle é bicho farso...Embora neste jôgo não se possa falar em chefe, Joel Lourenço conhece o segrêdo de lidar com êles e merece a confiança de todos. Não os comanda - como dar ordens, por exemplo, ao velho Henrique, "ás" da capoeira? - mas acerta as exibições, vai ao encontro dêles e os conduz ao ponto combinado para a "vadiação".
O número e a identidade dos capoeiras varia muito, sendo provável que haja, em terra carioca, entre 20 e 30 lutadores, todos êles naturais da Bahia. E entre êstes sempre está, como organizador da "vadiação", Joel Lourenço.
O sôgro, o velho Antonor dos Santos, não falta(?) entre os assistentes. Está sempre animando o jôgo, [..] calor às demonstrações da prodigiosa agilidade do Angola.
"Vadiação"
A roda de [..] está completa quando [..] de pandeiros e berimbaus.
Êste instrumento é curiosíssimo. Africano de origem, constitui-se de um arco provido de corda, de uma cabaça de fundo [..] que o tocador, encostando ou afastando do corpo [..] como caixa de ressonância. A corda é vibrada por meio de uma vareta, trazendo [..], na mão, uma saquinho de palha cheio de sementes, chamado caxixi. Para obter outras notas do seu instrumento monocórdio, o tocador de berimbau se vale de uma moeda que só é possível encontrar ainda nas rodas de capoeira - uma moeda de cobre de 40 réis do tempo do Império.
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Os capoeiras se organizam em círculo e dois [..] agacham diante dos berimbaus. Alguém canta uma "chula",
Cai, cai, Catarina
sarta de má, vem vê Dalina...e logo depois os jogadores fazem manhosamente a volta à roda e aquêle que vai à frente tem o privilégio de atacar em primeiro lugar.
O jôgo solicita todo o copro. O bom capoeira não põe as mãos no adversário, nem se vale delas senão para sustentar o próprio corpo e ajudar os seus movimentos. Se entretanto algum inimigo, pode usá-las no "dedo nos olhos" e no "golpe de pescoço". Mas a grande arma do capoeira está nas suas pernas. Com elas, estira na arena o contendor, numa célere "rasteira"; golpeia-o no tronco ou no rosto, violentamente, com a "chibata", a perna esticada caindo do alto, ou com a "chapa de pé", a planta no pé direito vigorosamente sacudida; alcança-o no peito, com ambos os pés, na "bananeira"; ou repele as suas investidas com sucessivos "aús", cambolhotas temíveis porque estendem o campo de ação do capoeira... Flectindo as pernas para trás, com artes de gato, o capoeira se defende dos golpes por acaso desferidos contra si - e volta a atacar, pois toda defesa, na capoeira, é um ataque, uma nova negaça para apanhar o adversário desatento e pô-lo fora de combate.
Todo êsse negacear, essa manhosidade do capoeira, parecerá apenas "vadiagem" para o espectador das mais convencionais dos "rings". Mas a "vadiação" é um simples treino e o capoeira da Bahia se diverte entre amigos, sem a preocupação de medir forças, nem conquistar medalhas ou prémios. Se a situação o exige, porém, e na suposição de haver espaço onde "se espalhar", o capoeira se transfigura. E então - quem sabe? - talvez brilhe no ar a lámina aguçada de um punhal...
O ritmo da capoeira
Berimbaus e pandeiros acompanham cânticos especiais da capoeira, inspiração e ritmo para o jôgo de Angola. A harmonia assim produzida é inconfundível. Os capoeiras distinguem dois tipos de toque - o Angola e o São Bento, êste ainda divisível em "grande" e "pequeno". O de Angola, mais comum, é de ritmo mais lento, propiciando mais ocasião para as manhas e negaças características da capoeira; o São Bento, porém, que já tem a marca brasileira, é mais rápido e comunica ao jôgo certo ar de luta renhida, vibrante, violenta.
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As canções não diferem essencialmente das que acompanham outras diversões. Uma frase com solo, uma frase com o côro, e um pouco de iniciativa para lhe dar alguma vitalidade nova, - e está pronta a canção.
Quem nunca viu qué vê
nicuri botá dendêÓia tu qu'é moleque
Molequ'é tuComo tá, como tá,
como tá, como passô?Joel Lourenço compós uma canção de capoeira, que tem tido boa aceitação entre os seus companheiros, porque mostra o apêgo do capoeira ao berimbau ou gunga. O côro pergunta: "Quem me compra êsse gunga?", enquanto Joel Lourenço vai dizendo o solo:
- Êle veio da Bahia
- Vovó que me deu
- Quera mandou foi Maria
- Eu não vendo a ninguémsem qualquer preocupação de rima.
Há, entre os capoeiras, verdadeiros artistas do berimbau. O velho Henrique Pequeno, famoso capoeira, mestre de muitos dos que agora se exibem, fábrica berimbaus e dêles retira acordes de grande beleza, com extraordinária perícia. Martinez Júnior, o "Velhinho", e "Cobrinha Verde" são outros "virtuosi" do berimbau ou gunga. O marítimo "Comprido", com a sua camisa enfeitada com uma bela figura de mulher, acompanha os demais no pandeiro.
É com orgulho que o capoeira canta:
Eu sou filho da Bahia...
Legenda da foto: O Comprido, com a sua camisa espetacular, é mestre no pandeiro, mas também sabe tocar berimbau. Note-se a posição da vareta e do caxixi (mão direita) e do "dobrão" (entre o polegar e o indicador da mão esquerda)
Legenda da foto 2: Esta é a "bananeira". Joel ataca o Comprido, que se defende apenas livrando o copro
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