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João Oliveira dos Santos
M João Grande
15/jan/1933
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01.Mestre Pastinha0:10
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02.Maior é Deus, pequeno sou eu6:58
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03.Anu não canta em gaiola3:50
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04.Vou me embora4:01
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05.Torpedeiro Piaui5:49
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06.Quando Besouro morreu6:29
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07.Ladeira de Santa Tereza4:54
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08.Foi agora que eu cheguei5:13
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09.Eu tenho que ir embora1:07
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10.Eu tava em casa10:21
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11.Bateria3:22
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12.Iô iô viva a Bahia6:27
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13.O mãe amanhã eu vou2:42
M João Grande, 2001
O ABC de M João Grande
1933 - Nasceu no dia 15 de janeiro em Itagi, Bahia.
1953 - Chegou em Salvador, conheceu M Pastinha em Candeal Pequeno em Brotas e passou treinar com ele.
1954 - Conheceu M Boca Rica e M Canjiquinha numa roda em Monte Serrat.
1963 - Aparece nas fotos de O Cruzeiro com M Pastinha e seus outros alunos.
1966 - Participou na I Festival de Artes Negras em Dakar, Senegal junto com M Pastinha, M Camaféu de Oxossi, M Gato Preto, M Roberto Satanás e M Gildo Alfinete.
1968 - Participou no filme Dança de Guerra.
1974 - Fez parte da excursão do grupo folclórico Viva Bahia pela Europa e Oriente Médio.
1986 - Foi redescoberto trabalhando num posto de gasolina em Salvador. Veja um artigo de 1988 sobre isto abaixo.
1989 - M Jelon lançou seu CD com a participação de M João Grande, M João Pequneo e M Bobó.
1990 - Foi convidado para participar do Festival de Artes Negras de Atlanta, EUA.
1992 - Passou a morar em Nova York.
1995 - Foi entitulado doutor honoris causa - Doctorate of Humane Letters - pela universidade de Upsala, Nova Jersey, EUA.
1996 - Particiou no CD de GCAP de M Moraes.
2001 - Gravou seu CD chamado Capoeira Angola (escute acima). Também recebeu o prêmio National Heritage Fellowship Award na Casa Branca, EUA.
2005 - Participou com sua roda no filme americano The Interpreter.
2015 - Recebeu do ministro Juca Ferreira a Ordem do Mérito Cultural, na classe Grã-Cruz, maior condecoração da cultura brasileira, em cerimônia no Palácio do Planalto com a presença da presidenta Dilma Rousseff.
Está viajando anualmente pelo mundo ministrando aulas em vários países.
M João Grande na roda, 1997
Galeria de fotos
O texto
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-Angola. A resistência da capoeira
Tribuna da Bahia, Caderno de Cultura
30/07/1988Valber Roberto Carneiro
Um dia Sérgio Porto, o famoso Stanislaw Ponte Preta, encontrou numa rua luxuosa de Ipanema no Rio de Janeiro o compositor Cartola lavando carros na calçada e se escandalizou. Até novembro passado, antes de requerer aposentadoria, quem passasse pelo posto de gasolino Mataripe, no Retiro, também teria um grande motivo para se escandalizar. Aos 55 anos, um dos maiores mestres de capoeira do mundo, gastava suas energias físicas, sua mobilidade e sua malícia, não para gingar e passar ensinamentoes para novos capoeiras, mas para dar brilho e lustro na chaparia dos automóveis sujos que paravam no posto. Coisas do Brasil.
Hoje, para alegria dos “angoleiros” e todos aqueles que gostam de capoeira como cultura popular, João Grande voltou a dar aulas todos os dias na academia do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, dos professores Moraes e Cobrinha. João Grande só ia lá durante a semana à noite, quando podia. Aos domingos era presença certa, pela manhã. Agora, o mestre quase lendário vai viver capoeira todo dia, o dia todo. Durante a semana, os iniciantes da capoeira angola podem “sentir” sua malícia das 18 às 20 horas. Das 20 às 22, é a vez dos já iniciados terem João Grande por perto. Uma oportunidade ùnica.
OS DOIS AFILHADOS
“Na academia tem dois meninos/ que se chama João/ um é cobra mansa/ outro é gavião/ um joga no alto/ outro se enrosca pelo chão/…“ Esses versos criados pelo Mestre Pastinha para seus dois discípulos preferidos acabou se transformando em cantiga nas rodas de capoeira na histórica academia do Pelourinho. Os dois „afilhados“ se chamavam João; para estabelecer a diferença entres eles Pastinha chamou um de Grande, outro de Pequeno.
Nascido em Itagi, no Sul da Bahia, sob o signo terra de Capricórnio, é bem próximo ao chão que João Grande costuma reinar quase agachado, na posição típica dos „angoleiros“ para dali sair em rápidos contra-ataques aéreos com pernadas e evoluções que a capoeira angola, a mais „raiz“ de todas, importou dos animais. Coices, cabeçadas e rabos-de-arraia foram imitados de movimentos análogos que o instinto de defesa natural dos animais aprimourou durante milhares de anos. Daí ser a capoeira angola a mais próxima possível da capoeira „original“, jogada pelos escravos em forma de dança inofensiva (para enganar seus senhores) nas matas ralas do Nordeste conhecidas como capoeiras, que mais tarde passaram a servir de referência àqueles que a praticavam. „Cadê o negro?”, perguntava o feitor. “Tá lá na capoeira”, respondiam seus irmãoes. Em pouco tempo eles eram os “capoeiras”. O nome não saiu mais.
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O COMEÇO
Filho de pais lavradores, João Grande, chegou aos 15 anos em Salvador para morar no Tororó. Inicialmente, para ganhar a vida, foi trabalhar como carregador num depósito de cachaça. Por ironia ele não fuma nem bebe até hoje, sua cachaça é a capoeira angola que a cada dia sente mais e mais o cerco que a insensibilidade oficial e as consciências distorcidas armam contra os angoleiros. A triste realidade é que de cada 10 novos praticantes apenas um prefere a capoeira angola, outros nove vão praticar a regional. Uma variação de estilo criada por Mestre Bimba, jogada em pé que permite a incorporação de golpes oriundos de outras lutas. “A regional é a evolução da capoeira”, avisam seus praticantes. Os angoleiros acham que não. “Dizem que a gente tem que evoluir mas a gente quer a tradição do ritmo, do canto, do jogo e da filosofia, isso é que é capoeira”, acusam os angoleiros.
Discussões à parte, só oito grandes mestre angoleiros ainda estão vivos: Canjiquinha, Paulo dos Anjos, Curió, Virgílio da Fazenda Grande, Bobó, Bom Cabrito e os dois João. Justamente os dois últimos é que estão em atividade. Em outras palavras, o supra-sumo da capoeira angola ainda pode ser aprendido. Não lendo livros, mas conversando e vivenciando a luta com os grandes mestres. “Os mestres não estão mais preocupados com a filosofia e a tradição”, declara João Grande e “estão deixando que seus alunos angoleiros façam mil coisas estranhas à capoeira”.
No livro Capoeira Angola, de Waldeloir Rego, o autor afirma que Pastinha não era um bom capoeirista. João Grande contesta: “O melhor que vi jogar, ele era ótimo. Naquela época, executava o movimento, desenhava e depois mandava para Jorge Amado narrar nos seus livros”, lembra ele.
O começo foi interessante. Num domingo à tarde no local conhecido como Roça do Lobo, mais ou menos onde hoje é o Instituto Pedro Melo na Av. Centenário. Era 1953 e ele tinha 20 anos. Viu uma roda de capoeira, era de João Pequeno. O outro João já jogava há dois anos na Academia de Pastinha. “João onde é sua academia?” “No Candeal Pequeno”. “Quais são os dias?” “Domingo pela tarde, terça e sexta à noite”. “Quanto paga?” 2 mil réis (ganhava 10 por mês). No outro domingo foi lá se matricular. Ficou conhecido, hoje é quase uma lenda viva.
Nunca chegou a ter atritos com a polícia como acontecia na época de Pastinha, também nunca brigou na rua. “Já achei quem se esbarrasse em mim, deixei para lá”, confessa. Hoje admite que as pessoas, muitas delas, aprendem a jogar para brigar. Não há mais aquela reverência de antigamente e todos aprendem um pouco e logo querem ser mestres. “Hoje há mais mestres que alunos”, acusa lembrando que por reverência teve que esperar Pastinha morrer em novembro de 1981 para passar de contra-mestre a mestre ou fazer como João Pequeno que pediu autorização ao mesmo Pastinha para poder abrir sua academia. Coincidentemente as duas academias estão hoje no mesmo Forte de Santo Antônio, ex-Casa de Detenção, sendo que João Grande junto com Moraes e Cobrinha não aceitam que o aluno traga nenhum golpe de “fora”, que não seja exclusivamente da “capoeira angola”.
CONSCIÊNCIA
A capoeira angola trabalha muito em cima da consciência da capoeira como cultura negra “de raiz”. Por aí passam detalhes da tradição oral africana que não transitam pelos livros. “Só convivendo e conversando com os grandes mestres”, lembra mestre Cobrinha entusiasmado em conhecer mais sobre a tradição do que pratica com a presença constante de João Grande na academia. “A gente às vezes vai conversar com alguém que se diz angoleiro e não encontra nada”, avisa Cobrinha, de viagem para o Caribe de onde pretende voltar em agosto para a Oficina e Mostra de Capoeira Angola no Forte de Santo Antônio.
A oficina vai reunir angoleiros da Bahia e de outros estados como Rio de Janeiro, Minas e Goiás, ex-alunos de mestre Moraes que por sua vez foi aluno de João Grande. O nome já está escolhido: Capoeira Angola, Resistência à Falsa Abolição e enquanto ela não acontece eles se reúnem toda semana em seminários preparatórios para a oficina, todo sábado à tarde no mesmo local da academia.
Para finalizar João Grande avisa ao sociólogo Waldeloir Rego que ele não foi aluno de Cobrinha Verde como consta no livro Capoeira Angola. Seu único mestre foi o saudoso Pastinha. Como a vida costuma pregar grandes peças nas pessoas aí vai a que o destino vem pregando nele: há 35 anos vem lutando com e pela capoeira, houve época em que só dormia uma hora por dia espremido entre a lavagem dos carros do posto e as apresentções folclóricas no Restaurante Moenda. Hoje, aposentado, está voltando a fazer exclusivamente o que gosta, brigando pela “vida” da capoeira angola contra as infiltrações de outras lutas, porém, dos seus seis filhos nenhum gosta de capoeira. “Só boxe e briga de galo, capoeira – eles dizem – não dá retorno”, conclui. Mas ainda haverá muito aú pela frente.